A aplicação dos conceitos das APPS no Brasil é plena de dificuldades. Cientistas ligados à SBPC e ABC chegaram à mesma conclusão que os produtores rurais associados à SRB (Sociedade Rural Brasileira).
Os ambientalistas da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) apresentaram ao Senado Nacional um trabalho interessante acerca da reforma do Código Florestal Brasileiro (PLC 30/2011), no qual fizeram considerações importantes sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs), suas definições e delimitações.
O conceito de APP existe apenas no Brasil. Os acadêmicos chegaram à mesma conclusão que a Sociedade Rural Brasileira, de que sua aplicação é plena de dificuldades. Buscando soluções para o problema propõem diversas exceções e tratamentos especiais: na Amazônia, para os ribeirinhos, que devem receber tratamento diferenciado, respeitando a cultura agrícola local e preservando a agricultura de vazante; para a produção de arroz de várzea, a pecuária extensiva no Pantanal, a agricultura de várzea na Amazônia, a produção de café, maracujá, maçãs e uva nas encostas etc.. Para as cidades, os estudiosos propõem que a definição das áreas de APP seja feita descentralizadamente pelos Planos Diretores Municipais.
A legislação atual já abre exceções para o uso dessas áreas nos casos de interesse social e utilidade pública, ou seja, para empreendimentos estatais. Libera também para empreendimentos de baixo impacto ambiental. A legislação esqueceu-se, porém, de que projetos privados são tão ou mais importantes para a sociedade do que os públicos. E para estes não há exceção. É um viés estatista e retrógrado.
Quando refletimos nas exceções propostas pelos ambientalistas da SBPC e da ABC, verificamos que estas, na prática, se multiplicarão muito. Se deve ser aberta para a pecuária do Pantanal, que exceções devem ser feitas para as muitas pecuárias do restante do Brasil, como ao de búfalos na Ilha de Marajó? Se também deve haver para o arroz, por que não para qualquer outra agricultura de várzea? Da mesma forma com o maracujá, a maçã e a uva, por que não para qualquer outra fruta? E assim por diante.
Fica claro, que na área rural haverá muito mais exceção do que regra. Seria melhor que, assim como nas cidades, as definições de APPs fossem locais, mediante projetos técnicos, uma vez que as especificidades rurais são muito mais variadas.
Se os acadêmicos começam a reconhecer a impossibilidade de aplicar o conceito de APP como existe hoje, não desistem de propor a implantação de extensas florestas de conservação (as reservas legais) em áreas hoje utilizadas de modo sustentável pela agropecuária, mesmo sabendo que 60% do território brasileiro permanecem intocados e a agropecuária ocupa apenas 27%.
Um dos argumentos é a conservação da biodiversidade. Todos sabem que o instrumento adequado para a conservação da biodiversidade, usado em todo o mundo e previsto no Código Florestal, são as unidades de conservação, que ocupam áreas imensas. É bom dizer (o que os acadêmicos esqueceram) que grande parte das unidades existentes precisa ser efetivamente implantada, isto é, demarcada, fiscalizada, com suas terras regularizadas, com a população que porventura existir adequadamente transferida.
Outro argumento dos acadêmicos é o papel das florestas na prevenção da erosão e do assoreamento, na infiltração de água e amortecimento de enchentes, na retenção de nutrientes e agroquímicos. Deveriam lembrar que a solução destes problemas não está na implantação de florestas e sim na aplicação da tecnologia de conservação do solo nas áreas de produção agropecuária e na implantação e conservação adequada da infraestrutura, especialmente das estradas rurais. Sem conservação do solo à montante, não há floresta que segure a enxurrada.
Também a defesa da implantação de corredores ecológicos em todo o território nacional é uma política que nenhum país sequer propôs. Imaginem, nos Estados brasileiros mais ocupados, com muitas regiões com densidade populacional superior à da França ou da Itália, entrecortados por rodovias de pistas múltiplas, rodoaneis, ferrovias, linhas de alta tensão, hidrovias, loteamentos, indústrias, pontes e viadutos etc., construir redes de corredores ecológicos na amplitude proposta!
Para propor isso é preciso estudar mais, escolher regiões pouco habitadas e implantar alguns corredores experimentais, aferir custos e benefícios.
Falam também do papel das florestas para a navegação e a pesca. É claro que floresta pode ser um componente de programas de navegação e pesca. Mas seria bom, ao invés de propor reflorestar o Brasil, estudar melhor o planejamento, os planos de bacia hidrográfica, os projetos de hidrovias e os programas de saneamento e tratamento de esgoto. Aí sim, ver como a componente floresta se encaixa.
Os acadêmicos tratam, ainda, de questões essencialmente de natureza política, que nada têm a ver com ciência ambiental, como é o caso de dispensa da obrigatoriedade de reflorestar Reservas Legais pela agricultura familiar ou a permissão do uso de APPs pelas comunidades tradicionais. Seria melhor se as boas normas ambientais devessem ser cumpridas por todos.
De qualquer maneira, a participação dos acadêmicos ambientalistas nos debates sobre o novo Código Florestal é muito bem vinda. Tanto para o aperfeiçoamento das propostas quanto para que os especialistas em florestas possam adquirir uma visão mais ampla das complexidades de elaborar políticas públicas.
Comentário de José Augusto Baldassari, de Franca (SP):
A tardia participação da SBPC e da ABC na discussão do já encaminhado Código Florestal, deu-se ,em parte, atendendo pedidos de ONGs que viram nisto a possibilidade de conseguirem algum tipo de respaldo"cientifico"para,mais uma vez,conseguirem atingir o seu já conhecido objetivo primeiro: obstacular o desenvolvimento do agronegócio brasileiro.
Pergunto: Porque somente agora, após mais de dois anos de pública e democrática discussão,da realização do brilhante e abrangente relatório executado pelo Deputado-Relator Aldo Rebelo e auxiliares, que visitou todo o país realizando um trabalho sério, de peso,somente agora em sua reta final os luminares da ciência nacional resolveram participar e,principalmente,interferir nos trabalhos?.
Há de se observar que esta tardia interferência na discussão é claramente movida, muito mais por razões de caráter ideológico do que "profundos estudos científicos" realizados em gabinetes.
Atenciosamente,
José Augusto Baldassari.
PS: Entendo a necessidade política de serem feitas as amáveis colocações para que se evite maiores confrontos nesta discussão,porem muitas vezes dado a contundência dos contrários a atualização do anacrônico e inaplicável Código Florestal e a permanente tentativa de transferir toda a responsabilidade e ônus para o produtor rural , exclusivamente por razões ideológicas e não técnicas,julgo necessário deixar de lado os eufemismos e apresentar o fato como ele é na realidade.
É interessante notar que em um país onde ainda mais de 50% do esgoto doméstico é despejado"in natura"em cursos dágua e em outras paragens,em todo o país,isto não causa praticamente nenhuma "comoção"como as provocadas pela discussão do Código Florestal.
Pensata: "O objeto que representa a civilização e o progresso não é o livro,o telefone,a internet ou a bomba atômica e sim a privada.Onde os seres humanos esvaziam a bexiga e os intestinos é determinante para saber se estão mergulhados na barbárie do subdesenvolvimento,ou se já começaram a progredir"-Tirado de um artigo do escritor Mario Vargas Llosa publicado na revista PIAUÍ em fevereiro de 2007..
Fonte: SRB