Aprendemos desde cedo na escola que do surgimento da agricultura à invenção da escrita pelos sumérios, passando pelas primeiras formas de divisão do trabalho, o trigo está presente há cerca de 10 mil anos na história da humanidade. Quando o homem começou a plantar e a criar animais, lá estava ele entre os cereais cultivados para alimentar as pessoas.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria do Trigo, o Brasil consome cerca de 10 milhões de toneladas de trigo moído. Destas, apenas 5 milhões é o que se produz no país. O restante vem principalmente da Argentina, que tem uma produção anual de cerca de 14 milhões de toneladas. Visto que o país vizinho, e outros grandes produtores como Índia (80 mi) e Paquistão (23,9 mi), tem uma área menor que o Brasil, perguntamos: por que, afinal, produzimos tão pouco trigo?
Para responder esta pergunta e também para comemorar o Dia Nacional do Trigo, que começou as ser cultivado na antiga Mesopotâmia, o Portal Agrolink fez uma matéria especial sobre a situação da cultura no Brasil.
O trigo, diferente dos tradicionais soja e milho, não é apenas um produto. Existem várias classes: o que serve para fazer pão, mas que não serve para fazer biscoito, e vice versa. Segundo o consultor da Abitrigo, Rae Pécala Reino, temos problemas de adequação entre a produção e a demanda para cada tipo de trigo. "Por exemplo, o RS predominantemente produz trigo para biscoito mais do que toda indústria brasileira de biscoito precisa. Ou seja, sobra. Em compensação, o trigo bom para panificação, cultivado no PR, não é produzido em quantidade suficiente", explica.
Enquanto a panificação demanda praticamente metade do consumo do país (44% em panificação artesanal, 11% na panificação industrial, 16% em massas, 10% em biscoitos e 19% em uso doméstico e outros), a classe apropriada para biscoito, que tem grande produção, acaba tendo como caminho mais curto a exportação.
Isso acontece pois as condições de clima e solo no Brasil não são as mais favoráveis. O trigo se desenvolveu primeiramente na antiga Mesopotâmia, na região chamada de Crescente Fértil, área que hoje vai do Egito ao Iraque. Naqueles tempos havia solos férteis, chuva na época da germinação e crescimento, enquanto que na maturação e colheita era seco e quente. "O trigo gostaria de encontrar essas condições. Nós não temos isso", comenta Reino. Na região onde se planta o cereal no Brasil, chove na época da colheita, o que contribui para o aparecimento de uma série de doenças fúngicas.
Outro motivo é o tipo do grão. Quanto mais proteína o produtor quiser que tenha o grão, mais adequadas devem ser as condições climáticas. De acordo com o consultor, tem sido uma grande batalha da pesquisa de conseguir variedades que aturem as condições desfavoráveis. A força do glúten, que é o que se procura na panificação, tem crescido, mas ainda não se tem aquilo que na padaria é exigido. "É como se a gente estivesse enfrentando a natureza. Tudo o que temos é uma mágica produzida por pesquisadores", completa.
Além das pesquisas para adequação das sementes, há uma grande melhoria também na produtividade. Nos anos 70, a produção por hectare era de menos de uma tonelada. Hoje, a produtividade média é de três toneladas por hectares. Reino ainda acrescenta que o setor precisa acompanhar as demandas diferenciadas do consumidor. "Hoje se fala em orgânicos, em micotoxinas e outros. Quando se consegue atender uma exigência do consumidor, aparece outra", comenta.
Trigo no Cerrado
Um dos pontos levantados pelo setor triticultor é o cultivo do cereal no Cerrado. Para Reino, há um problema a ser enfrentado. Os subsídios da agricultura são de tal ordem que os países emergentes enfrentam uma concorrência muito difícil. "Enquanto países como os EUA e Canadá têm grandes planícies de produção de grãos, eles têm uma safra por ano. Nós temos duas, uma de grãos de verão e outra de cereais de inverno. Mesmo tendo duas safras, as vezes é difícil competir", reflete.
Se o subsídio que vem sendo reduzido no mundo fosse extinguido, o Brasil ficaria cada vez mais competitivo. Isso influencia muito no caso do trigo no Cerrado, pois ele tem o regime de chuva muito regular: chuva de outubro a março e seca de março a outubro. "Então, para o trigo, que se planta nos períodos mais frios do ano, necessitaria de irrigação. Temos muitas fazendas irrigadas, mas elas já se voltaram a produtos que tem maior valor agregado, como feijão, cebola ou batata. Fica difícil colocar o trigo ali", explica.
Entretanto, ele lembra que o cereal vem ganhando espaço aos poucos nesta região. Através de rotação de culturas, o trigo está se inserindo aos poucos.
Mas não é só de pesquisa que este cereal milenar precisa. Incentivos e investimentos adequados são necessários no setor. "Acho uma injustiça quando o agronegócio no Brasil é demonizado, parece culpado de tudo. Com todas as crises no mundo, o país está bem em virtude do agronegócio. E ele precisa de condições pra trabalhar. Mais estradas de ferro e hidrovias são necessárias para o desenvolvimento", conclui.
Para comemorar o Dia Nacional do Trigo (10 de novembro), o consultor da Abitrigo, Rae Pécala Reino diz que é preciso ter orgulho de pertencer à família do trigo. "Precisa ter respeito por um grão que balizou a história da humanidade. Foi com o trigo que se fizeram as primeiras cidades, que se inventou a língua escrita e as civilizações que integraram o mundo. O trigo é um alimento mais completo tanto em carboidratos como em proteínas se comparado a outros grãos. Digo a todos do setor que tenham orgulho em pertencer a esta família e que as pessoas tenham respeito por um grão que conduziu as civilizações".
O Portal Agrolink parabeniza todos os envolvidos direta ou indiretamente na cadeia produtiva do trigo!
* Colaboração Lucas Amaral
Agrolink
Autor: Joana Cavinatto*