Restrição de oferta global e demanda aquecida impulsionaram cotações do grão para patamares recordes
A soja continuará sendo a locomotiva do agronegócio em 2013. A perspectiva é de margens positivas no campo pelo sexto ano consecutivo. A avaliação é do engenheiro-agrônomo André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, que prevê um horizonte de bonança para os próximos anos. A restrição na oferta e a demanda aquecida impulsionaram as cotações da soja para patamares recordes para esta época do ano.
Na opinião do especialista, a crise financeira de 2008 e a de crédito do final do ano passado não interferiram no quadro de escassez que paira sobre o mercado de soja no mundo, que desde a década passada convive com estoques extremamente baixos. Ele observa que o epicentro das crises está nos países desenvolvidos e não nos em desenvolvimento, que têm sido responsáveis pelo aquecimento da demanda mundial de alimentos nos últimos anos.
O analista comenta que nos últimos anos, quando a produção de soja não é afetada por problemas climáticos, a oferta tem sido suficiente para atender à demanda, mas qualquer contratempo tem forte impacto sobre os preços por causa dos baixos estoques. Ele diz que um patamar confortável para a soja deveria ser de 16% na relação estoque/uso, mas nas últimas seis safras os estoques de passagem têm ficado abaixo de 10% do volume consumido na safra.
Ele observa que o problema se repete também com milho, pois nos últimos dois anos os estoques norte-americanos estão em níveis críticos. "A situação é dramática porque os norte-americanos são os responsáveis pela formação dos preços do milho, pois, além de maiores produtores e consumidores, respondem por 60% do milho exportado no mundo", diz ele.
No caso da soja, lembra Pessôa, existe a possibilidade de a América do Sul compensar uma eventual restrição de oferta nos Estados Unidos, o que não aconteceu neste ano, porque a estiagem provocou forte quebra nas safras do Brasil, Argentina e Paraguai. "Adiamos por mais um ano a chance de alívio nos estoques de soja, com uma notícia preocupante para os consumidores, que é a intenção dos norte-americanos de reduzir área neste ano", diz o consultor.
André Pessôa acredita que os preços da soja se manterão em patamares rentáveis por mais uma década, pois o processo de urbanização nos países em desenvolvimento ainda não terminou. Ele diz que hoje metade da população ainda vive no campo, mas nos próximos anos 70% estarão morando nas cidades. "O processo de mudança da dieta, com aumento do consumo de proteínas animais, vai continuar ocorrendo. Os fatores que determinam uma demanda muita forte por soja e milho continuarão presentes nos próximos anos."
O sócio-diretor da Agroconsult diz que para equacionar a oferta e a demanda de soja seria preciso uma nova "revolução verde", como a que aconteceu na década de 1970, quando as tecnologias existentes nos países desenvolvidos (fertilizantes, sementes melhoradas e agroquímicos) foram repassadas para os países em desenvolvimento. Ele comenta que existia um déficit na oferta que foi resolvido com a revolução verde, que possibilitou um salto de produtividade na agricultura mundial. A produtividade da soja, por exemplo, cresceu na faixa de 3% ao ano na década de 1970, enquanto na safra passada o crescimento foi de apenas 0,9%. Hoje, diz ele, a única solução seria expandir o plantio, "mas nem no Brasil existe disponibilidade de área".
Na opinião do especialista, apenas a biotecnologia não tem condições de dar o salto de produtividade que o mundo precisa. Por isso, acrescenta, a taxa de crescimento da oferta continuará abaixo da expansão da demanda. Assim, diz ele, os preços da soja continuarão em patamares rentáveis, "um pouco mais altos em anos de quebra de safra e um pouco mais baixos em anos de boa produtividade".
André Pessôa ressalta que o nível de rentabilidade da soja brasileira depende de fatores como custo de produção, logística e taxa de câmbio. Ele observa que nos últimos anos os custos têm se mantido relativamente comportados, sem repetir o que ocorreu no período pré-crise de 2008, quando em alguns casos os preços dos insumos subiram mais do que as cotações das commodities.
Em função da estabilidade dos preços dos insumos, as relações de troca na agricultura têm se mantido em patamares historicamente bons. Pessôa cita o caso de Mato Grosso, onde a relação de troca está em 21 sacas de soja por hectare nas vendas no disponível e de 24 sacas nas negociações para entrega futura. O custo total chega a no máximo 40 sacas por hectare, considerando os custos adicionais, o que proporciona uma boa rentabilidade, levando em conta a perspectiva de colheita de 50 sacas por hectare. A margem se estreita para os arrendatários, que têm que pagar ao dono da terra 10 sacas de soja por hectare. "Quem tem terra própria consegue pelo menos 20% de margem, que é proporcional ao risco que a atividade representa", diz o especialista.
Jornal do Comércio