Na tentativa de impedir anistia a desmatamentos, posição que a presidente Dilma Rousseff tem demonstrado desde a primeira votação do Código Florestal, o governo decidiu vetar 12 dispositivos da lei e editará uma medida provisória para preencher lacunas do texto. Mas o anúncio da decisão, sem muitos detalhes, deixou um clima de indefinição sobre seus efeitos.
A versão final do documento com os artigos vetados só será conhecida na próxima segunda-feira quando o veto será publicado no Diário Oficial da União, o que gerou dúvidas em relação ao real conteúdo da decisão.
"São 12 vetos, 32 modificações, das quais 14 recuperam o texto do Senado Federal, 5 correspondem a dispositivos novos incluídos e 13 ajustes ou alterações de conteúdo do projeto de lei", disse o advogado geral da União, Luís Inácio Adams, em entrevista coletiva para explicar a decisão.
Dilma cortou da legislação aprovada pelo Congresso, como a Reuters havia adiantado, todo o artigo que regulariza propriedades que destruíram sua vegetação nativa. Também retirou a possibilidade de Estados e municípios definirem as áreas de proteção perto de rios em regiões urbanas, além de classificar mangues, topos de morro e encostas como áreas que devem ser preservadas.
Além disso, a medida provisória que será publicada na segunda-feira preencherá o buraco deixado pelo veto e trará novidades para contemplar os pequenos agricultores.
A presidente optou por editar a medida porque qualquer MP tem força de lei a partir de sua publicação, ou seja, seus efeitos são imediatos. Mas o governo pode enfrentar turbulências na Câmara, que tem uma expressiva bancada ruralista, e já impôs duas derrotas ao Planalto, aprovando textos que flexibilizavam e ampliavam as ocupações em áreas de proteção ambiental.
A decisão foi tomada após duas semanas de exaustivas reuniões em que a presidente exigiu números e comprovações para embasar seu veto.
Apesar de os pontos retirados não terem sido divulgados, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, garantiu que as mudanças no Código não preveem anistia a desmatadores.
"Não tem anistia", disse. "Todos terão que recuperar o que foi desmatado", assegurou.
Ainda assim, na avaliação do coordenador de campanhas do Greenpeace, Márcio Astrini, é impossível avaliar a informação da ministra sem ter acesso aos vetos da presidente.
"Você não tem informações suficientes para dizer que retiraram ou não a anistia", disse Astrini. "O que a gente queria era o veto total", acrescentou. "A resposta foi absolutamente incompleta. Eles anunciaram 32 modificações. Quais são as modificações?", indagou.
A sensação de incerteza também foi sentida do lado dos chamados "ruralistas". O presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Moreira Mendes (PSD-GO), prefere esperar a segunda-feira para conhecer o conteúdo tanto do veto quanto da MP e afirma que esta é a posição da frente.
"Depende do veto, depende da MP. Pode ser que além do veto venha um dispositivo na MP consertando a questão", disse à Reuters. "Vamos esperar a publicação".
Moreira adiantou, no entanto, que se for vetado o primeiro artigo da versão encaminhada pelo Parlamento ao Planalto "haverá resistência". Caso esse artigo seja retirado, passará a valer a redação anterior que trata dos princípios da lei e que pode gerar interpretações judiciais desfavoráveis aos produtores.
Ao mesmo tempo, a decisão de Dilma de não vetar completamente o texto aprovado pelo Congresso foi comemorada pelo presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Cesário Ramalho.
"Nós vamos ter o texto apenas na segunda-feira, mas é uma vitória não vetarem o texto inteiro. Seria de uma arrogância da Presidência e uma humilhação ao agricultor brasileiro se tivesse sido tudo vetado", disse.
O deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi na linha contrária e classificou a edição da MP como uma "afronta" e um "desrespeito" ao Congresso Nacional. Caiado afirmou que aguarda a publicação da medida para entrar com um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a inconstitucionalidade da medida.
Na visão do ministro da Agricultura, Mendes Ribeiro, o texto do governo é um meio termo entre os extremos.
"Este não é o código dos ambientalistas, e não é o código dos ruralistas. Este é o código daqueles que têm bom senso", avaliou.
ESCALONAMENTO
Segundo a ministra do Meio Ambiente, foi mantido no texto a autorização à Câmara de Comércio Exterior (Camex) de impor restrições à importação de produtos agropecuários de países que não tenham legislação ambiental "compatível" com a brasileira.
A proposta do governo, anunciada nesta sexta-feira, prevê ainda que o percentual das APPs a ser recuperado dependerá do tamanho da propriedade, acrescentou a ministra.
As APPs são regiões a serem protegidas com a função de preservar recursos hídricos, estabilidade geológica e biodiversidade, entre outros.
O texto enviado pelo Congresso ao Planalto deixava as regras de recuperação nas APPs indefinidas nas margens de rios com mais de 10 metros de largura, o que, na opinião de críticos, trazia enorme insegurança jurídica.
Na avaliação de Mendes Ribeiro, o texto com os vetos sancionados e a MP a ser editada pelo governo não só garantirão essa segurança jurídica como também não prejudicarão a capacidade do país de produzir alimentos.
"Esse é o Código daqueles que acreditam que o Brasil pode produzir com todo respeito ao meio ambiente", afirmou.
Ao ser encaminhada ao Congresso, a MP a ser editada deve primeiro ser submetida à análise de uma comissão mista formada por senadores e deputados. Depois, segue ao plenário da Câmara. Uma vez votada, é encaminhada ao Senado, mas se for modificada deve voltar aos deputados, que darão a palavra final sobre a matéria.
Caso a Câmara decida retomar os pontos que desagradaram o Planalto, Dilma pode se ver novamente em uma posição delicada. Adams, da AGU, no entanto, disse que a possibilidade não preocupa o governo.
"O que nós trazemos de acúmulo é de fato resgatar o debate que se travou no Congresso Nacional e o debate que se travou na sociedade de forma a encaminhar uma proposição que traz esse equilíbrio que é almejado por todos", disse.
"Então, desse ponto de vista, nós temos confiança, sim, de que o texto deve ser aprovado, porque ele representa esse acúmulo desse debate."
Pela Constituição, a presidente tinha até esta sexta-feira para sancionar ou vetar o projeto, aprovado pela Câmara no fim de abril.
O veto pode ser derrubado em uma sessão mista do Congresso, desde que tenha votos da maioria absoluta dos deputados (257) e dos senadores (41), mas as chances de isso acontecer são pequenas.
O governo calcula que não há votos suficientes do Senado para derrubar o veto.
A reforma do Código Florestal está em discussão no Congresso há mais de dez anos e provocou diversos embates durante sua tramitação.
(Reportagem adicional de Tatiana Ramil e Gustavo Bonato, em São Paulo)
Reuters
Autor: Maria Carolina Marcello e Ana Flor