Presidente da Famasul fala sobre investimentos em tecnologia, escoamento de produção e conflitos
Eduardo Corrêa Riedel, 44 anos, é produtor rural, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de MS e do Conselho Deliberativo (CDE) do Sebrae/MS. Nesta entrevista, ele fala sobre o acordo entre governo, índios e produtores rurais na questão do conflito de terras e que é preciso ir em busca de uma solução definitiva para o problema. Fala, ainda, sobre os avanços existentes no agronegócio de MS como dos gargalos que travam o escoamento da produção. E chama a atenção para a necessidade de se investir em rodovias, ferrovias e modais hidroviários para equilibrar o setor.
CORREIO PERGUNTA - A notícia de que governo e índios selaram uma trégua, no que se refere ao conflito por terras no Estado, afirma que se trata de um "marco" no setor. Os produtores veem a compra de terras por parte do governo federal como uma solução definitiva ou ainda há arestas a serem aparadas?
Eduardo Corrêa Riedel – Sem dúvida é um marco, a partir do entendimento de que é preciso comprar as áreas. Há três anos não se considerava a hipótese da compra. Hoje, o governo reconhece a estrutura fundiária de MS, com títulos de propriedade legais. Os litígios são fruto de um erro histórico gerado pelo estado brasileiro, que não pode ser debitado na conta de alguns produtores. Portanto, é o próprio estado brasileiro que tem o dever de buscar solução. Mas a compra de áreas não é uma solução definitiva. É um primeiro passo, pois não há definições em torno do processo. O marco é o fato de haver um entendimento. O que preocupa muito os produtores são as invasões e a violência para buscar a solução. É o ponto central da preocupação, já que nesse meio tempo os produtores ficam sem acesso às suas áreas, sem renda. Obtivemos um avanço, mas temos que construir a solução definitiva para acabar com o conflito e termos paz em definitivo.
O senhor acredita que a negociação por meio de títulos da dívida agrária (TDA) é justa e agradou aos produtores?
O importante é que o pagamento das propriedades seja justo. Se é o Estado que fará o pagamento em TDA no valor da área e o TDA hoje é um título de liquidez, esse valor precisa ser justo. O importante é o produtor receber e a TDA é uma forma de isso ser feito, para que não se tenha prejuízo de maneira isolada.
Do ponto de vista do produtor pode ser considerada não uma solução justa, mas menos injusta?
Justiça para quem? Justo, no nosso ponto de vista, é dar ao produtor a possibilidade de decidir se quer vender ou não. Como determinam as leis de livre mercado e a democracia que vivemos. Porque nem sempre é assim. Há produtores que têm como necessidade vender sua propriedade para construir a solução que estamos falando. Já é uma concessão, porque é uma propriedade legal dele. Não podemos aceitar que ele tenha que abrir mão de sua propriedade sem receber o que é justo.
O senhor acredita que com essas decisões a questão agrária dos índios está solucionada e com isso não ocorrerão novas invasões de propriedades?
Nosso objetivo é construir uma solução definitiva, com todo o arcabouço jurídico e legal. Mas entendemos que o problema das comunidades indígenas não vai se resolver com a ampliação das áreas já demarcadas. O problema é social e, por se tratar de etnias com culturas tão singulares, demanda políticas públicas específicas. Porque não estamos falando de uma tribo isolada no meio da Amazônia. São comunidades que nem poderiam viver da caça e pesca porque as áreas demandadas já não o permitem mais. É preciso iniciativas sérias, contínuas, que instrumentalizem os indígenas a terem condições dignas de sobrevivência, respeitando suas culturas. Quanto a novas invasões, difícil prever, vai depender da concretização do que está sendo discutido como solução.
Um dos maiores gargalos do agronegócio brasileiro hoje é a falta de infraestrutura no transporte, armazenamento e escoamento da produção pelos portos. O governo anunciou medidas por meio da Lei dos Portos. O senhor acredita que estas medidas resolverão o problema a curto e médio prazo?
A curto prazo, não. A médio e longo prazo, acredito que irá ajudar, mas não é uma ação dos portos e sim um conjunto de ações em um projeto de infraestrutura para o Brasil, que está há décadas atrasado e que precisa acompanhar o desenvolvimento que o setor obteve. A Lei, sem dúvida nenhuma, é um grande avanço, porque ela permite o investimento privado, mas esses investimentos não acontecem da noite para o dia e por isso a curto prazo não é uma solução. Estamos vendo agora o apagão logístico acontecer. Hoje, a armazenagem está em cima de caminhão, os valores de frete são absurdos, não há caminhões suficientes para o escoamento e está tudo travado.
Caso contrário, o que de mais imediato é necessário ser feito para minimizar as perdas em grãos desde a propriedade até os portos?
Precisamos de maior eficiência no transporte com novas rodovias, ferrovias e ativação de modais hidroviários. Será necessária uma sequência de investimentos para sair do atraso. Para o Estado, a ativação das ferrovias é fundamental. O transporte ferroviário tem custo mais baixo e minimiza perdas. O Plano Safra também prevê a construção de sistema de armazenagem, uma necessidade no Estado que tem capacidade estática de armazenagem de 7 milhões de toneladas. A safra de grãos já chega ao dobro desse total. O Brasil só tem 6% da capacidade de estocagem em fazendas. Será necessária uma série de ações para corrigir os atrasos e outras tantas para chegar a um patamar de equilíbrio, de menor perda e maior eficiência produtiva.
O senhor considera que o aumento da estocagem de grãos nas propriedades seria uma solução pelo menos paliativa?
É uma condição que contribui, mas não chega a ser definitiva porque continuam todos os problemas do processo logístico. Mas ela é parte da solução, até porque temos um baixo nível de estocagem nas propriedades atualmente.
Qual o panorama atual do agronegócio em MS? Está mais competitivo e eficiente?
O agronegócio tem se desenvolvido no Estado em todos os segmentos. Temos hoje um produtor que conhece e investe em tecnologias, apesar do atraso de muitos setores, como o de infraestrutura logística, de transportes e as questões tributárias. O agronegócio sul-mato-grossense está na base do crescimento econômico do Estado, gerando uma via de mão dupla, pois o que ajuda a aumentar sua competitividade é justamente a industrialização crescente, não só das cadeias produtivas novas e diversificadas como as já tradicionais. Esse processo de expansão está bem ativo e faz com que o perfil do setor hoje seja bem diferente, bem mais ativo do que há 10 anos.
Quais as maiores perdas advindas das últimas geadas ocorridas no Estado, como há muito não se via? Há um plano, pelo menos em esboço, para evitar o problema com os riscos climáticos?
O impacto da geada em relação ao milho foi pequeno, pois o frio apareceu no período da colheita. Quem plantou dentro do zoneamento não teve problemas. A perda maior ocorreu na pecuária, pois as geadas prejudicam muito as pastagens. Houve per
das mais expressivas, também, com a cana-de-açúcar, o que deve afetar a produtividade do setor sucroenergético.
Como diretor vice-presidente da CNA, quais são os pontos principais que requerem ações mais emergenciais do setor?
A CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) tem como foco ampliar a competitividade da agropecuária brasileira. Para atingir esse objetivo precisamos de infraestrutura logística compatível, mão de obra qualificada e, em especial, ambiente democrático consolidado no País. Paralelamente, entram questões abrangentes como a questão indígena, gerando entre outros saldos a insegurança jurídica que inibe novos investimentos. Outra condição a ser equacionada é a criação dos Parques Nacionais, que é muito séria. O Código Florestal foi um avanço, mas ainda há desafios pela frente com a regularização dos parques que ainda "são de papel" e fazer eles serem ativos e gerarem desenvolvimento e preservação. A Confederação também tem foco na geração de competências para buscar mercados. Temos um potencial muito grande para crescer, mas vendemos para um mundo que é cada vez mais protecionista. Estamos presos ao Mercosul, que não tem foco no comércio e sim foco ideológico, e começamos a perceber os EUA e a comunidade europeia iniciarem um relacionamento comercial que pode afetar diretamente o mercado brasileiro. Então estamos sendo "comprados" e não estamos vendendo, o que é um risco muito grande. Precisamos desenvolver competências a partir da inteligência mercadológica. Uma das ações da CNA é buscar essa inteligência, do contrário nossa carne e nossos grãos não vão valer nada e isso é um risco para todos os produtores e para o País, tendo em vista que o setor gerou os resultados econômicos mais favoráveis para a economia brasileira nos últimos meses.
Correio do Estado
Autor: Cristina Medeiros e Maurício Hugo