Usinas de Mato Grosso estão usando o cereal para testar viabilidade e aliviar pressão da oferta, que reduz cotações do grão abaixo dos custos
Mato Grosso segue o exemplo dos Estados Unidos no uso de milho para a produção de etanol com o objetivo de garantir uma demanda extra para o cereal. Duas usinas que produziam combustível com cana-de-açúcar se adaptaram para receber e processar parte do volume excedente da colheita do grão no estado, uma em Campos de Júlio (Oeste) e outra em São José do Rio Claro (Centro-Oeste).
As duas plantas ainda não processam volume capaz de elevar os preços ao produtor, mas neste momento produzem etanol de milho mais barato que o de cana. A diferença do custo é de R$ 0,97 para R$ 0,78, apurou a Expedição Safra Gazeta do Povo. E o preço de mercado do grão está um terço abaixo do valor máximo que as destilarias poderiam pagar neste momento: R$ 18 por saca (60 quilos), cotação comparada a que se pratica no Paraná.
As destilarias de milho têm intenção de dobrar sua capacidade de processamento em um ano, o que anima a agricultura. O excesso da produção de milho em Mato Grosso faz a renda no campo ficar abaixo dos custos e derruba as cotações de Norte a Sul do país.
Nas usinas, houve redução da ociosidade e dos custos. "Antes de receber milho, deixávamos de trabalhar e faturar seis meses por ano, por causa da entressafra da cana. Com isso, a mão de obra, que antes era sazonal, hoje está sendo qualificada aqui", comenta o diretor da Usimat, Sérgio Barbieri.
A empresa, administrada pelo Grupo Sipal, com sede em Curitiba, é a primeira a usar milho no Brasil. Um investimento de R$ 47 milhões adaptou a estrutura da planta para uso do cereal como matéria-prima. O retorno do valor investido deve ocorrer de três a cinco anos, conforme estudo da empresa.
A usina está processando 100 mil toneladas de milho ao ano como complemento ao uso de cana, ainda a principal fonte de etanol na destilaria. Aos poucos, no entanto, a ideia é aumentar a proporção da matéria-prima alternativa, com compras durante todo o ano. Dependendo dos preços, o grão pode ter uso dobrado em 2014.
O caso pioneiro da Usimat serve de inspiração. Outros investidores paranaenses inauguraram a segunda destilaria que usa milho em Mato Grosso a 500 quilômetros da primeira, em São José do Rio Claro. Desde meados de outubro, as máquinas da Libra entraram em operação, moendo 20 toneladas por hora.
Os quatro sócios, que saíram de Bandeirantes (Norte Pioneiro do Paraná) na década de 1990 rumo ao Centro-Oeste brasileiro, usaram 100% de recursos próprios para tirar o projeto do papel. Em Rio Verde, (Sudoeste de Goiás), outra planta deve ser construída.
Para 2014, a previsão do grupo é processar 900 mil toneladas de cana e 185 mil toneladas de milho. Em 2015, com aplicação de mais R$ 10 milhões – o plano total prevê aporte de R$ 25 milhões – os empresários querem chegar a 285 mil toneladas de cereal processadas.
Projetos prometem estabilizar custos na cadeia de carnes
A transformação de milho em etanol, além de ser uma demanda alternativa ao excedente do grão no Centro-Oeste do país, deve baratear os custos na produção de carnes. Isso porque os DDGs, subprodutos gerados com a moagem do cereal, podem ser utilizados na nutrição animal e a custos inferiores aos do farelo de soja, cujos preços acompanham a valorização da oleaginosa.
No último ano, a tonelada do produto chegou a valer mais de R$ 1,2 mil. Já o farelo de milho tem preço 50% mais baixo e alto teor de proteína (mais de 30%). "Vendemos antecipadamente 16 mil toneladas de DDG a um valor de R$ 440 por tonelada", revela o diretor da Usimat, Sergio Barbiéri.
De acordo com estudo de viabilidade realizado pela consultoria INTL FC Stone, para cada tonelada de milho, podem ser produzidos 375 litros de etanol, 240 toneladas de DDG e 18 litros de óleo. A empresa acredita que o etanol de milho pode ser uma realidade não muito distante no país.
Por outro lado, esses projetos só cabem em regiões com excesso de produção e onde não há uma logística de escoamento eficiente e barata, conclui o diretor-executivo da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso, Seneri Paulo. "Além disso, há uma linearidade na oferta regional de etanol, que mantém os preços uniformes para o consumidor final", salienta o agricultor Ademir Rostirolla.
Usinas podem garantir remuneração acima do custo de produção
As duas experiências mostram que uma destilaria pode funcionar pagando pelo milho preço acima dos custos dos produtores. Segundo o Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea), quem produz 100 sacas por hectare tem custo total de R$ 17 por saca de 60 quilos, incluindo remuneração pelo uso da terra.
"Se eu tiver biomassa para produzir energia elétrica e baratear o custo de funcionamento da usina, consigo pagar até R$ 18 por saca de milho para produção de etanol", afirma o presidente da Libra, Luiz Carlos Ticianel. Esse valor anima os produtores de milho de Mato Grosso, que vêm dependendo de leilões públicos para escapar de prejuízo.
O volume processado pelas duas usinas de Mato Grosso ainda é pequeno para resolver o problema do estado, que produz mais de 40 milhões de toneladas do cereal no inverno e consome 3,4 milhões de toneladas, conforme o Imea.
Os investidores dizem que não é possível estabelecer um valor máximo a ser pago pelo milho, que valha para uma safra inteira, porque também dependem do mercado do etanol. O combustível de milho segue a cotação do combustível de cana nos postos de combustíveis. No ano que vem, as duas destilarias que inovam na matéria-prima devem processar perto de 400 mil toneladas de grão, volume que equivale a seis navios.
Gazeta do Povo
Autor: Cassiano Ribeiro